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Faixa Sonora

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O DESTINO DOS AMANTES


Dissipa-se, no longo nevoeiro, a cintilação de um archote,
um rasto de imponderáveis amantes.
Quem por eles clama, clama em vão.
Já os pulsos se abriram para a desolação da terra.
Estes rios não são os seus rios.
E esta água mutilada,
esta luz que fere o amplo pátio dos invernos é a sua água, a sua luz.
Onde o raio despedaça os ténues fios do amor
uma inesperada palavra assume o desastre.
Amaram-se e perderam-se.
De pé, sobre o convés, contemplarão o fim dos navios.
O albatroz descreve os vultos imensos da saudade.
Há, sobre o olhar dos condenados,
uma aflição de sombras,
quando o sol se afasta para os seus domínios.
A sedução dos frutos é a sedução da morte e,
seduzidos, eles demandaram o grande vale.
Um arco de som vibra eternamente no centro da tempestade.
Eles voltam-se para fora,
para a unânime certeza da escuridão do mundo.
A alma parte.

JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA (1948)
Biografia

domingo, 10 de abril de 2011

A MINHA HISTÓRIA


A minha história é simples
A tua, meu Amor,
É bem mais simples ainda:
"Era uma vez uma flor.
Nasceu à beira de um Poeta..."
Vês como é simples e linda?
(O resto conto depois;
Mas tão a sós, tão de manso,
Que só escutemos os dois.)


SEBASTIÃO DA GAMA
Cabo da Boa Esperança

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Ó MÃE


Ó Mãe violada pela noite, deposta, disposta
agora entre águas e silêncios.
Nada te acorda - nem as folhas dos ulmos,
nem os rios, nem os girassóis,
nem a paisagem arrebatada.
- Espero do tempo novo todos os milagres,
menos tu.

Corres somente no meu sangue memoriado
e sobes, carne das palavras outra vez
imperecíveis e virgens.
- Do tempo jovem espero o vinho e o pólen,
outras mãos mais puras
e mais sagazes,
e outro sexo, outra voz, outro gosto, outra virtude
inteligente.

- Espero cobrir-te novamente de júbilo, ó corola do canto.
Mas tu estarás mais branca com a boca selada
pelas pedras lisas.
E sei que terei o amor e o pão e a água
e o sangue e as palavras e os frutos.
Mas tu, ó rosa fria,
ó odre das vinhas antigas e limpas?

Do tempo novo espero
o sinal ardente e incorrupto,
mas levo os dedos ao teu nome prolongado,
ó cerrada mãe, levo
os dedos vazios - ­
e a tua morte cresce por eles totalmente.

HERBERTO HELDER (1930)
Poesia Toda