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Faixa Sonora

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

LEMBRAS...


Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória…
[...]
 
TEIXEIRA DE PASCOAES (1877-1952)
Para a Luz. Vida Etérea. Elegias. O Doido e a Morte


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

SE OUSASSE DIZER...


Se ousasse dizer a boca
o que sente a alma minha,
senhora, eu tocar queria
onde a camisa vos toca.
 
Não é muito eu não dar caça
ao receio de perder-vos,
pois, senhora, no querer-vos
do mesmo modo se passa:
do chapim até à boca
vos adora a alma minha,
e só tocar eu queria
onde a camisa vos toca.
 
Se vos visse eu, ó senhora,
sem camisa vos tocasse,
e outro bem não desejasse
esta alma que vos adora,
e então olhos e boca
tocasse esta boca minha,
o demais eu tocaria
onde a camisa vos toca.
 
Sinto eu estranhamente
porque ela está-vos tocando,
e com morrer desejando
o que ela goza e não sente;
já que dif’rença há bem pouca
dessa tocadela à minha,
senhora, eu tocar queria
onde a camisa vos toca.
 
Jardim de Poesias Eróticas do Siglo de Oro
(tradução de José Bento)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

AI, COMO TE QUERIA...




Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de cetim…
Teus dedos, longos de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas… 
E tão febril e delicada
Que não pudesses dar um passo -
¬Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de cor no regaço…

Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas ¬–
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas. ..

Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata -
¬Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata. . .
[…]
Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmim ¬–
Os teus espasmos de seda…

- Água fria e clara numa noite azul,
Água, devia ser o teu amor por mim…

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (1890-1916)
Poemas Completos

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

MEMÓRIAS



A minha memória ainda está viva…
E o teu vulto também…
Fomos galhos de uma
mesma roseira…
de perfume sutil…
de matriz indelével…
Lembranças não se apagam…
Saudades não se adormecem…
Um grande amor nunca se esquece…
Como fera, nunca perco
o faro… e seu cheiro, meu bem,
continua sensível…
E quando o sinto,
minh’alma pede socorro,
e meu coração sufoca o grito…
É o cio do amor que
inalo, nessa hora…
É a doce vontade de ter-te
Novamente em meus braços,
que sozinho aspiro…
É me inútil, tentar substituí-la…

(João Assis)