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Faixa Sonora

quarta-feira, 30 de julho de 2014

A SOMBRA DO HOMEM



Quando, num sono aéreo, tudo dorme,

E a treva lembra luz adormecida…

E o silêncio, quimérico e disforme,

É só uma canção interrompida…

 

Quando um pinheiro, além, na indecisão

Da noite, que o perturba e lhe faz mal,

Se vê, perdido em vaga confusão,

Tornar-se um ermo e vago pinheiral;

 

Quando, na sombra espessa, ó minha fonte,

Desliza, anseio de água, a tua voz,

De som molhando o rosto do horizonte,

Que sofre e chora, às vezes, como nós…

 

Quando em paz tudo dorme, eu sonho e cismo.

Remorso? Exaltação? Delírio a arder?

E ouço vozes, que vêm dum fundo abismo,

Por minhas mãos aberto no meu ser!

 

E ouço vozes e passos… Quem me fala?

És tu, ó chuva? Ó vento? Ou serei eu?

Ah, como distinguir a minha fala

Das vozes que andam, tristes, pelo céu!

 

Já de tanto sentir a Natureza,

De tanto amar, com ela me confundo!

 

TEIXEIRA DE PASCOAES (1877-1952)

As Sombras, À Ventura, Jesus e Pã

 

terça-feira, 29 de julho de 2014

A MULHER DESCONHECIDA



É muito bela esta mulher desconhecida

que me olha longamente

e repetidas vezes se interessa

pelo meu nome

 

eu não sei

mas nos curtos instantes de uma manhã

ela percorreu ásperas florestas

estações mais longas que as nossas

a imposição temível do que

desaparece

 

e se pergunta tantas vezes o meu nome

é porque no corpo que pensa

aquela luta arcaica, desmedida se cravou:

um esquecimento magnífico

repara a ferida irreparável

do doce amor

 

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA (1965)

Baldios

 

domingo, 27 de julho de 2014

A GUERRILHEIRA




Eis a ocasião em forma de mulher

com a ponte do lábio galgando

a voz Seus cabelos ondulam

por dentro das estrofes

 

Na mesma noite dividida ao meio

como se um lado reflectisse o outro

a sombra que na folha me adelgaça os dedos

verte ainda alguns versos e pára

                                      Para quê

Pergunta a sucessão dos meus perfis iluminados

pelo volteio das luzes contrárias

E desatam-se das luzes os seus reflexos

a noite desdobra-se em metades imperfeitas.

 

SEBASTIÃO ALBA (1940)

A Noite Dividida