Número total de visualizações de páginas

Faixa Sonora

sábado, 13 de dezembro de 2014

UMA ÁRVORE E O SOL



Árvore minha amiga, abençoada

Alminha vegetal, com que ternura,

Abres o brando seio à luz sagrada,

Que, como um vento místico, murmura.

 

Logo te viste mãe; e, para a Altura,

Ergueste as mãos, alegre e alvoroçada;

E lembravas assim a Virgem Pura,

Ao sentir-se do Espírito pejada.

 

E o teu corpo, todo ele, era uma flor.

E perfumes de idílio e casto amor,

O céu azul doirado embriagavam…

 

Mas, na sua quimérica alegria,

Essa árvore feliz nem sequer via

A sombra, que seus ramos projectavam…

 

TEIXEIRA DE PASCOAES (1877-1952)

As Sombras. À Ventura. Jesus e Pã

 

 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

CANTO DE MIM MESMO



TODAS as verdades aguardam em todas as coisas,

Não apressam a sua entrega nem a ela resistem,

Não precisam de fórceps do obstetra,

O insignificante vale para mim tanto como o resto,

(O que é mais ou menos que um contacto?)

 

A lógica e os sermões jamais convencem,

O orvalho da noite cala mais fundo na minha alma.

 

(Só é assim o que se torna evidente para o homem e a mulher,

Só é assim o que ninguém nega.)

 

Um minuto e uma gota de mim acalmam a minha mente,

Creio que a gleba húmida se transformará em amantes e em luz,

E que a carne de um homem ou mulher é compêndio dos compêndios,

 

E que no sentimento que partilham há um cimo e uma flor,

E que a partir dessa lição proliferarão infinitamente até que tudo seja criado,

E até que um e todos nos deliciem, e nós a eles.

 

 

WALT WHITMANN (1819-1889)

Canto de Mim Mesmo

(tradução de José Agostinho Baptista)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

AS ALDEIAS



Eu gosto das aldeias sossegadas,

Com seu aspecto calmo e pastoril

Erguidas nas colinas azuladas…

Mais frescas que as manhãs finas d’Abril.

 

Levanta a alma às cousas visionárias,

A doce paz das suas eminências…

E apraz-nos, pelas ruas solitárias,

Ver crescer as inúteis florescências.

 

Pelas tardes das eiras – como eu gosto

Sentir a sua vida activa e sã!

Vê-las na luz dolente do sol posto,

E nas suaves tintas da manhã!…

 

As crianças do campo, ao amoroso

Calor do dia, folgam seminuas,

E exala-se um sabor misterioso

Da agreste solidão das suas ruas.

 

Alegram as paisagens as crianças,

Mais cheias de murmúrios do que um ninho,

E elevam-se às cousas simples, mansas,

Ao fundo, as brancas velas dum moinho.

 

Pelas noites d’estio, ouvem-se os ralos

Zunirem suas notas sibilantes…

E mistura-se o uivar dos cães distantes

Com o canto metálico dos galos.

 

GOMES LEAL (1848-1921)

Claridades do Sul

 

terça-feira, 25 de novembro de 2014

APARIÇÃO



A mulher que por mim passou na rua, há pouco,

foi uma coisa diáfana, gentil,

cedo, a pairar

na sombra dum jardim

com flores, em baixo, ajoelhadas,

ao senti-la na altura,

e mandando-lhe o aroma em lágrimas, desfeito,

para mantê-la em uma nuvem branca…

 

Mulher, coisa diáfana, vaga e bela, sem desenho,

logo fluido animando o colo duma nuvem,

nuvem, num ápice, trucidada pelo vento!

 

EDMUNDO BETTENCOURT (1899-1973)

 

Poemas de Edmundo Bettencourt

 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES



Só, incessante, um som de flauta chora,

Viúva, grácil, na escuridão tranquila,

- Perdida voz que de entre as mais se exila,

- Festões de som dissimulando a hora.

 

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila

E os lábios, branca, do carmim desflora…

Só, incessante, um som de flauta chora,

Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

 

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,

Cauta, detém. Só modulada trila

A flauta débil… Quem há-de remi-la?

Quem sabe a dor que sem razão deplora?

 

Só, incessante, um som de flauta chora…

 

CAMILO PESSANHA (1867-1926)

Edoi Lelia Doura

(antologia organizada por Herberto Helder)

 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

AMOR INCONDICIONAL




Amar ao próximo ,

Seus defeitos

Além de suas virtudes

Enxergar nele, o reflexo do espelho

Ao mirar-nos.

 

 Quem é ele ?

É todo aquele ao nosso redor

E por vezes diz que nos ama,

Até que tenhamos uma falha

Igual à sua.

 

Amar incondicionalmente

Tarefa difícil, exercício diário

Necessário.

Incondicionalmente amar

Faz-nos seres especiais

Libertos das garras dos preconceitos,

Preceitos necessários à evolução

Quem é o próximo ?

È aquele a nos dizer que precisa ser amado

Compreendido,  acima de tudo.

 

Amar é respeitar, cuidar

Colocar-se no lugar.

Fazendo isto, 

São estes os primeiros passos

Indulgentes

Connosco e nosso próximo

Conseguiremos assim dizer:

Amo ao próximo como a mim mesmo.

 

Fernanda Pietra

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

AMOR



Vibrátil. fina, perfumada e clara,

Ondula a aragem que o amor provoca.

Longe, respira a vida. Aqui, o sonho.

Tudo é infância de águas e colinas

Na manhã dos teus olhos.

E voos, de mãos dadas.

E cantos, cantos de infinito amor,

Nos galhos, nas correntes e nas sombras veladas.

 

Envolve-se de nuvem nosso abraço.

Vibrátil, fina, perfumada e clara,

Ondula a aragem. Fadas e duendes

Agitam instrumentos na folhagem…

 

Vibrátil, fina, imperceptível, fluida,

Orquestra ao longe, no fundo dos sentidos:

Dedos de flores ondeiam sobre a pele

De céus indefinidos…

 

Cantam mistérios bocas fascinadas.

Abrem corolas, sobre a luz que as toca.

Vibrátil, fina, perfumada e clara,

Ondula a aragem que o amor provoca.

 

NATÉRCIA FREIRE (1919)

Antologia Poética